Da importância de ser único
Caveat emptor: Antes de mais nada, o título deste artigo não faz referência ao escriba. Trata-se, na verdade, de uma reflexão proporcionada pela decepção de alguns jovens ao aperceberem-se de que sua “mestra”, na verdade, possuía defeitos bem humanos.
Example is not the main thing in influencing others. It is the only thing.
– Albert Schweitzer
Conforme esta infindável “era de ferro” progride, fica cada vez mais difícil encontrar homens e mulheres de fé, que possam servir de exemplo aos mais jovens e suas incertezas. Em uma sociedade em que a própria noção de se possuir uma religião é enfrentada pelo escárnio, e sinônimo de debilidade ou infantilidade emocional – ousar ser humilde e acreditar que há mais no mundo que o que os olhos e mentes percebem é uma audácia.
Olhar para o mundo unindo ciência e religião, então, é uma aventura para poucos. Ser um sacerdote de uma religião pagã e buscar conciliar o mundo moderno e a sabedoria de nossos antepassados, então, chega a ser temerário! E como os audazes descobridores de outrora, somos poucos. Como os Übermensch, somos os últimos filhos de um planeta moribundo, lutando pela aceitação das populações que nos acolheram (ou nos toleram, nos casos dos menos afortunados).
E daí nasce uma responsabilidade dupla. Não temos o direito de fenecer na “grande noite” sem passar adiante a tocha, e devemos sempre nos lembrar que podemos ser o sonho de alguém que mal conhecemos. Explico: Sem que nossas experiências e reflexões sejam passadas às novas gerações, perde-se mais que o conhecimento – perde-se o próprio caminho dos espíritos que trilharam nossas vidas, as inspirações divinas, toda uma teia única de influências que resultam em você, sacerdote dos Deuses Antigos. Será que o próximo a trilhar os rincões de Gaia terá tanta sorte quanto você teve? Terá amigos tão valorosos? Possivelmente não.
E aqueles que porventura tiverem, será que terão a maturidade necessária para ver um sacerdote cair e falhar (como é inevitável a cada homem e mulher) e não confundir o tropeço do sacerdote com o tombo do próprio sacerdócio? Daí a importância de nos conscientizarmos, o quanto antes, que dada a raridade dos sacerdotes pagãos na sociedade moderna, acabaremos cedo ou tarde como exemplos. Sejamos, pois, bons exemplos.
Se nossas vidas e atos não servirem de testamento aos nossos valores, pergunto, como podemos nós trazer os homens e mulheres aos Deuses Antigos? Será que um neófito, pensando em se dedicar ao sacerdócio, ao se confrontar com uma crise de ira ou ciúmes em aquele ou aquela que deveria ser um paradigma de serenidade, não jogou tudo por terra? Não se trata de tirar o direito de sacerdotes e sacerdotisas exercerem sua humanidade, mas sim da obrigação de exercerem o papel que lhes foi legado pelos Antigos Deuses, de embaixadores de suas casas.
Um grande homem uma vez me ensinou que no fundo, somos apenas sombras e pó. Que sejam sombras profundas quanto o espaço e pó de estrelas, ao menos. Que ao olhar para um sacerdote ou sacerdotisa dos Deuses Antigos, os homens lembrem-se de uma canção quase esquecida, e atraídos pelo canto de uma sereia, sintam falta da beleza e da grandeza que já tiveram, e vejam os sacerdotes como faróis no tempestuoso mar da evolução. Não porque somos especiais, nascidos em uma casta diferente, ou família de bruxos: mas porquê nossa visão é voltada unicamente ao próximo.
E aos mais jovens, onde um sacerdote tropeça e deixa cair seu archote, cuidado: pode ser um convite para que se adiante a passos ágeis e empunhe você a tocha.
Advogado, tradutor, carioca, 48 anos e morador de São Paulo. Há quase vinte anos atrás, sacerdotes e sacerdotisas me levaram para um templo entre mundos e me trouxeram de volta à vida – desde então, entre o staccato dos trovões, o tilintar de taças e um coral de risos eu faço meu ofício e desempenho meu papel entre os filhos dos Deuses Antigos.