Heavy metal do senhor
O título é o nome de uma música excelente do Zeca Baleiro, que diz que o cara mais underground que ele conhece é o Diabo – e se eu acreditasse no dito cujo, concordaria com o velho Zeca – mas aí lembro que sou Bruxo e Pagão, e dou uma risada. Saber a diferença entre aquilo que acredito e aquilo que QUEREM que eu acredite sempre foi o melhor jeito de não entrar em treta alheia.
Essa leveza que acompanha meu caminho é algo que desejo a todo e qualquer Bruxo; no entanto, há uma turma pra lá de esquisita aí no rolé que insiste em usar coisas pesadas e acabam tendo uns tetos pretos, umas bad trips que dão medo.
Tipo querer ser Bruxo e cristão ao mesmo tempo.
Já diria meu iniciador na Bruxaria que “uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa”. Muito já foi dito sobre Bruxaria e cristianismo, mas ainda temos que separar bem as coisas: tudo bem quem escolhe o cristianismo como alternativa para sua espiritualidade, mas buscar conciliar Bruxaria e um amontoado de pretextos pra vergonha, culpa, e preconceito é motivo de ser estudado pela NASA.
Como diria a rezadeira aqui da rua, é coisa de “trabalho pesado”. Sou obrigado a concordar, lembrando que é trabalho de alguns séculos de programação e lavagem cerebral, feito por alguns padres simpáticos e outros nem tanto assim. Pior, não só padres, como pastores, escritores, filósofos e simpatizantes desse miasma religioso, os mesmos autores do “todo mundo acredita no natal”, “é só um feriado”, e outras baboseiras. E a piscina de chorume não parou por aí; esses passaram a bola e quem pegou é a galera da Wicca que insiste no “Todas as Deusas são a mesma coisa”, que por sua vez erraram o passe e no final a bola caiu no colo da moça que faz ebó pra Hécate.
Nesse quadribol da ignorância, pra variar, os petardos arrebentam quem não tem nada a ver com o furdúncio: quem chegou agora e quer entender como funciona a coisa. Os estudantes, os iniciantes, dedicados, solitários – essa galera acaba com os b.os todos no colo sem entender como foram parar ali. E aí, sem querer, acabam produzindo verdadeiras pérolas, tipo dizer que “Quaresma precisa de rito de Bruxaria porque é um período carregado”.
Pô, desculpa aí. Eu juro que vou tentar não rir – mas pqp, mano!
Isso faz tanto sentido quanto eu dizer que pra atrair a fortuna eu preciso acender as velas do Channukah ou fazer um assentamento de Natal pra Siddharta Gautama, que na sua luta contra o Baixo Astral precisa de um Megazord.
Apesar da religiosidade moderna ser um Frankenstein de crenças e coerência não estar muito na moda, e não ter nada de errado em você acreditar no que quiser, é importante esclarecer que cristianismo e Bruxaria são coisas MUITO diferentes. Afinal, tirando grupos muito específicos que fazem Bruxaria com a iconografia cristã, a grande maioria dos praticantes de Bruxaria se apóia em conceitos que não dialogam com os dogmas da cristandade (oi, levítico!).
Vamos pegar por exemplo o exemplo da Quaresma acima. Pra começar, é uma data sagrada Cristã (instituída pelo Concílio de Nicéia em 325), o que já deveria dar a pista que se aplica somente a quem acredita na Mitologia do Nazareno.
A segunda pista é que a quaresma lembra o período das supostas tentações do alegado filho de um deus do oriente médio feitas pelo diabo. O diabo não existe na Bruxaria, nem se enxerga a existência de um deus único importado do judaísmo, e muito menos a bruxaria tem um messias. Eu não dou a mínima se o carpinteiro circuncidado passou 40 dias no deserto batendo papo com um cara underground ou não; não é minha crença.
Outra pista é a autoria dessa lenda lendária: quem começou essa onda errada foram Marcos, Mateus, e Lucas, um bando de idosos à época que foram responsáveis por uma grande parte do “novo”evangelho. De novo, a Bruxaria não tem “um”livro sagrado, e se tivesse certamente não seria a Bíblia, muito menos o novo testamento, a versão da época de idosos escrevendo fake news porque na época não tinham inventado ainda o What’s App 🙂
Pra jogar a pá de cal no tema, vamos ver quem “comemora” a Quaresma: Anglicanos, Ortodoxos, Protestantes, e Católicos Romanos. Não sei quanto a vocês, mas por menos severos e restritivos que queiramos ser sobre o que pode ser considerado Bruxaria ou não, essa galera NUNCA seria convidada pra dançar em volta da fogueira. Festa estranha com gente esquisita – e não é de se surpreender que essa turma ache que ser “tentado” é algo “pesado”.
Indo direto ao ponto, só é uma data “pesada” pra quem torce pelo time do carpinteiro, porque rememora o período em que ele foi “tentado”. E, numa boa, se você gosta do cara e tem medo de “tentações” e do “diabo”, acha a quaresma algo trevoso, deveria examinar com cuidado sua cabeça e coração: pode ser que esteja enganado e se descobrir um cristão esotérico e não o Bruxo que pensava.
Advogado, tradutor, carioca, 48 anos e morador de São Paulo. Há quase vinte anos atrás, sacerdotes e sacerdotisas me levaram para um templo entre mundos e me trouxeram de volta à vida – desde então, entre o staccato dos trovões, o tilintar de taças e um coral de risos eu faço meu ofício e desempenho meu papel entre os filhos dos Deuses Antigos.