Porteiros, sortilégios, e carteirinhas de bruxo.
Quando comecei a escrever este blog, anos atrás, pensei em apresentar a Bruxaria Draconiana a quem já estivesse no caminho há algum tempo, e trazer à baila alguns assuntos de discussão para aqueles que já fariam parte de círculos e tivessem celebrado algumas rodas dentro da Bruxaria. Hoje, percebo que a maioria que nos procura são bruxos e bruxas começando seus passos, sem acesso a grupos ou lugares para discutir, algumas vezes vítimas de desinformação ou informação de má qualidade.
Pensando nisso, e fazendo um paralelo com trabalho de base – onde o pensamento crítico se desenvolve, decidi lançar alguns textos neste blog que abordam aspectos e conceitos que apesar de aparentemente simples, são verdadeiras pedras fundamentais de qualquer tipo de Bruxaria (inclusive a Draconiana). Claro, preferiria discussões multilaterais sobre os temas, afinal quando dei meus primeiros passos como praticante de magia no meio da década de 90, em poucos anos fui apresentado às listas de discussão e muito papo bom se desenvolveu por lá.
No entanto, apesar do meu saudosismo geriátrico, os tempos são outros, assim como os modos de interagir e as ferramentas disponíveis. Assim, começo a série com posts e podcasts, e caso haja interesse em outras formas de publicação sugiram nos comentários.
O tema de hoje é: Quem afinal pode ser bruxo?
Nessas décadas dentro da Bruxaria já vi e vivi muita coisa, entre elas (i) quem queria atestar capacidade alheia por diplominha, (ii) quem se propunha a “testar” os outros para dizer se era bruxo ou não, (iii) quem propunha um registro de bruxos como se fosse sindicato, e por aí vai. Tem até bruxo subcelebridade que adora agir como leão de chácara em redes sociais, agredindo todo mundo que pensa diferente, inventando linhagem e o escambau.
Bom, não há nada mais incorreto do que esse tipo de comportamento. A bruxaria, desde lá de trás na antiguidade, nunca foi centralizadora ou parte de uma organização religiosa; a validade do trabalho de um bruxo ou bruxa estava ligada à sua competência e credibilidade, simplesmente, e não a quem a iniciou, ou se era parte desta ou daquela associação. Claro, na antiguidade, vagabundos não parasitavam a bruxaria em busca de likes e dinheiro fácil.
Basicamente, há uma grande dúvida que paira sobre bruxos e bruxas, em especial no início de sua caminhada, e deve ser respondida: o que te faz um bruxo? São as ferramentas mágickas? A iniciação? Um grupo? O conhecimento? Receber uma carta de Hogwarts?
Bom, usando e abusando do pragmatismo Draconiano, respondo com tranquilidade que nenhum desses te faz um bruxo ou bruxa, inclusive a carta entregue por coruja ou pombo. A Bruxaria não é uma “vocação”, ou algo nato (como cor dos olhos), ou uma herança (sorry, Voldemort): a bruxaria é um OFÍCIO, e como ofício pode ser aprendida e praticada por qualquer um. E para sua prática, não é necessária graduação ou doutorado em bruxaria, ou filiação numa OBB (Ordem dos Bruxos do Brasil) – é necessária a prática, disciplina, e conhecer o trabalho de outros bruxos e bruxas e trocar sempre, vendo o que está sendo feito e correr atrás daquilo que te interessa. É simples assim.
Claro, um espertinho poderia dizer: “Mas Kalamar, se é um ofício, poderíamos nos organizar em grupos como guildas e só reconhecer o trabalho de quem faz parte da guilda”. Bom, meu caro espertinho, diferente de guildas, o trabalho do bruxo é invisível, subjetivo, íntimo, e produz transformações pessoais. Tenho a impressão que quando o ser humano conseguir enxergar e avaliar isso tudo em um desconhecido essa sanha de controlar os outros terá desaparecido.
Por fim, sempre tem um ou outro que vem com uma teoria escabrosa falando de “transmissão de poder pessoal” para justificar que somente iniciações valem para fazer do outro um bruxo. E aí pergunto: Bruxaria é uma espécie de licantropia, vampirismo, ou DST para ser transmitida assim? Ou, na verdade poder é como um músculo, quanto mais sério você treina mais ele se desenvolve? Fica aí a questão.
Advogado, tradutor, carioca, 48 anos e morador de São Paulo. Há quase vinte anos atrás, sacerdotes e sacerdotisas me levaram para um templo entre mundos e me trouxeram de volta à vida – desde então, entre o staccato dos trovões, o tilintar de taças e um coral de risos eu faço meu ofício e desempenho meu papel entre os filhos dos Deuses Antigos.