Por que eu não sou um xamã, e você também não
Um texto maravilhoso de Jai Medina – Original em http://jaimedina.com/?page_id=293
Sete perguntas para os aspirantes a xamãs
Hoje em dia, o termo “xamã” parece estar bastante na moda, e cada vez mais vejo gente branca, new-age chamando a si mesma de “xamã” só porque usam um tambor às vezes, ou gostam de cristais, ou foram a uma aula de fim de semana em uma “escola de xamãs”. Eu até tive um conhecido no Facebook recentemente postando: “Você acha que eu sou um xamã?”, e queria que seus amigos dessem um like e postassem suas respostas. Permita-me ser claro: se alguma destas coisas se aplica a você, você definitivamente não é um xamã.
Antes que você pense que estou apenas acusando, posso dizer com facilidade que também não sou um xamã, apesar de estar trabalhando nisso há muito tempo, e ajudo os outros a aprender como fazê-lo. Eu me considero um xamã porque isso descreve o que eu faço e ajuda as pessoas a me encontrar, e porque há uma diferença entre esses termos que não são apenas semânticos, algo a que me referirei daqui a pouco.
Uma vez que há cada vez mais pessoas interessadas em aprender a fazer trabalho xamânico, ou em receber esse trabalho de outros – e porque há muita besteira por aí – decidi desenvolver um conjunto de perguntas para ajudar as pessoas a avaliar os níveis de autenticidade, empenho e potencial apropriação cultural em futuros xamãs, seja em você mesmo ou em outra pessoa. Aqui vamos nós…
Comecemos com algumas definições: a origem da palavra “xamã” veio para o vocabulário ocidental a partir de exploradores russos que encontraram os povos indígenas de língua tungúsica da Sibéria. Seu uso foi principalmente popularizado pelo etnógrafo Mircea Eliade, que escreveu sobre o “xamanismo” como um fenômeno mundial, e tomou esse termo específico daquela cultura, e o aplicou a muitos tipos diferentes de praticantes da espiritualidade, através de uma gama de culturas indígenas. Esse é o contexto do significado original e do uso da palavra: um praticante de espiritualidade, usando um conjunto específico de ferramentas, de dentro de uma cultura indígena intacta.
Houve uma palavra que usei muito na definição de “xamã” e é a seguinte: indígena. Se você perguntar para a maioria das pessoas: “O que você pensa quando ouve a palavra ‘xamã’?”, neste país, é provável que evoque algumas imagens bastante constantes. Para a maioria das pessoas, ela trará uma visão de um nativo mais velho, de pele marrom, com longos cabelos pretos, grisalhos com sabedoria, usando pele de veado com franjas, com penas em abundância, batucando ou entoando cânticos sobre alguém com fumaça ou ervas misteriosas e amuletos por perto. Ele está empregando práticas mágicas de sua tribo que têm sido aperfeiçoadas e transmitidas através das gerações desde tempos imemoriais, o que lhes dá uma importância mística. Você não imaginou algo assim?
Já ouvi muitos brancos da nova era tentarem dizer que a palavra “xamã” é universal, mas sejamos realistas: o termo “xamã” vem com um sentido implícito que conecta uma pessoa que o usa ao poder e autenticidade que os povos modernos atribuem à sua ideia de culturas indígenas. Na verdade, é em grande parte isso que atrai as pessoas modernas a querer usá-lo. As conotações tribais são exóticas para muitos brancos, e carregam uma nostalgia de um tempo mais simples, mas mais puro, muito parecido com as idéias dos povos indígenas americanos como “nobres selvagens”. Assim, quando os brancos se autodenominam ‘xamãs’, eles geralmente estão aproveitando a aparente autenticidade que outros brancos associam às culturas nativas (e lembremos, existem centenas de culturas nativas distintas por aí, não um ‘nativo americano’ genérico, etc.), MAS geralmente sem nenhuma relação real com eles, ou respeito pelas vidas e lutas atuais dos povos dentro deles. Ironicamente, geralmente os brancos que usam este termo muitas vezes não estão ligados às práticas indígenas ou aos costumes ancestrais de seus próprios povos, muito menos àqueles dos quais se apropriam.
Como é um relacionamento autêntico? Você está aprendendo com um indígena que está ligado à sua cultura? Você é ativo em comunidades indígenas locais? Você já foi voluntário, trabalhou com organizações, ou ofereceu seu tempo ou dinheiro para apoiar o bem-estar, cultura, etc. dos povos indígenas? Você já leu extensivamente ou foi ensinado diretamente sobre a(s) cultura(s) indígena(s) e como respeitá-las adequadamente? Você passou algum tempo em uma reserva ou em encontros espirituais organizados pelos povos nativos? Você tem mais de um amigo que é indígena? Se a resposta não for “sim” a pelo menos algumas dessas perguntas, se não a todas elas, você provavelmente tem um longo caminho a seguir para estar em autêntica relação com os povos indígenas.
Outra peça fundamental da indigeneidade é a presença de uma tribo. Mesmo Eliade, que usou amplamente o termo original, falou apenas de praticantes que vivem dentro de uma tribo intacta, com tradições vivas que foram transmitidas através das gerações. Estes praticantes foram reconhecidos por suas tribos e tiveram um papel crucial nelas em nome de seu povo. A tribo é parte integrante do que significa ser um xamã; sem esse contexto, um “xamã” como foi definido em pesquisa, literatura e imaginação pública simplesmente não pode existir. Portanto, mesmo para aqueles de nós que têm sangue indígena, que estão em relacionamento autêntico com uma ou mais culturas indígenas, e que estão ligados a nossos costumes ancestrais – geralmente não fomos criados em uma cultura indígena intacta.
O que quero dizer com “intacto” é que pouquíssimas culturas nativas neste continente sobreviveram com todas as suas formas tradicionais preservadas como nos foram outrora transmitidas por nossas avós. A maioria de nós não está vivendo em aldeias como nossos ancestrais estavam, de forma interdependente, em profundo relacionamento diário e a serviço de nosso povo e do mundo natural. Mesmo que as tradições estejam completamente intactas, não é a mesma coisa praticá-las num mundo pós-colonial, vivendo separados em casas que não eram a maneira de nosso povo, comendo alimentos que não evoluímos para subsistir, ganhando dinheiro e navegando em escolas, governos, empregos, etc., que nos obrigam a encarnar e interagir com modos de pensar e ser brancos e ocidentais, enquanto falamos uma língua que não é de nosso povo. Isso muda nosso mundo e muda nosso trabalho. Conseqüentemente, não podemos ser xamãs como foram nossos antepassados. Podemos ser praticantes xamânicos, mas esse contexto tribal original não existe mais.
Alguns brancos aqui podem tentar me dizer que eles têm uma “tribo” e se referem a seus amigos, comunidade hippie, pessoas com quem você se reúne para festivais (Rainbow Gatherings, Burning Man), etc. Já estive em todos esses espaços e vi que, embora possam ser uma maneira poderosa de reunir as pessoas, eles também reforçam frequentemente as estruturas mentais coloniais em sua tentativa de romantizar o que as pessoas pensam ser caminhos tribais. Como alguém que fundou uma comunidade pan-espiritual chamada TRiBE, e que trabalhou com revitalização tribal tanto dentro como fora das tribos indígenas tradicionais, isto é algo em que eu penso muito. Não é que essas comunidades ‘neotribais’ não tenham valor, mas não são uma tribo intacta com milhares de anos de história e cultura, e isso é diferente. Portanto, para a maioria das pessoas, especialmente os brancos que vivem nos EUA, a resposta a esta pergunta será um inequívoco “não”. Há algumas pessoas que são indígenas, e que ainda vivem e trabalham em uma tribo intacta: essas pessoas são xamãs. Mas provavelmente estão nas florestas tropicais do Brasil, ou nas estepes mongóis, ou em uma reserva Shoshone-Bannock. Eles provavelmente não estão lendo este artigo. E eles definitivamente não são você.
Muitas pessoas desconhecem completamente o privilégio branco e estão escandalizadas/ em negação/defensivas a esse respeito. Se for esse o seu caso, por favor, procure no Google o privilégio branco, a fragilidade branca e as lágrimas brancas antes de ler mais. Muitos brancos também estão preocupados e confusos com o que é apropriação cultural, quando vivemos em um mundo cada vez mais globalizado que nos dá acesso a informações sobre muitas culturas. Embora isso mereça um artigo por si só, e há muitos bons artigos por aí, eu costumo dizer que a diferença entre apropriação cultural e apreciação está em autêntica relação e respeito, o que remonta à pergunta número um.
Em referência à última pergunta, por que você acha que os nativos deste país não estão vivendo de forma mais tribal de acordo com nossos ancestrais, de tal forma que ainda poderíamos ser considerados “xamãs”? Porque, em sua maioria, muito pouco de nossas culturas sobreviveu às forças da colonização, genocídio, surtos de doenças, conversão religiosa forçada, roubo de terras ancestrais, internatos, vida de reserva, traumas e racismo cotidiano que tem sido perpetrado pelos brancos contra os povos e culturas nativas desde a época do primeiro contato. A celebração nativa e práticas espirituais foram até recentemente proibidas em muitos lugares.
Tudo isso deixou muitas tribos indígenas com índices de depressão e suicídio extremamente altos, drogas, violência doméstica, doenças e pobreza. Isto é o que acontece com as culturas e famílias que foram destroçadas pela colonização. Se você se sente “espiritualmente uno” com o título de xamã e suas conotações tribais místicas, você também é espiritualmente uno com e pronto para experimentar essas outras realidades mais brutais dos povos indígenas ao lado de sua felicidade? Você sabe alguma coisa sobre eles? E você acha que pode ter uma sem a outra?
Quando os brancos tentam lucrar com a percepção da reputação espiritual do pouco que ainda sobrevive das próprias culturas que seus antepassados tentaram dizimar, isso representa simplesmente uma forma moderna de roubo cultural destrutivo. Dessa forma, os brancos que usam a palavra “xamã” estão carregando o legado de colonização de seus antepassados, o que os incentiva a se sentirem livres para levar o que quiserem, onde quer que vejam algo que gostem, sem consciência da história, dos danos ou das conseqüências de fazê-lo. E, hoje em dia, para promover o dano, chamando-o de “compartilhamento” ou “iluminação espiritual entre a irmandade dos homens”, sem qualquer compreensão ou respeito real por essas culturas, ou o privilégio de permanecer na ignorância do que eles passaram e com o que estão lidando atualmente. Esse é o epítome da apropriação cultural e do privilégio branco. Pense nisso antes de se chamar de xamã. E já que estamos nesse assunto…
Eis o outro aspecto irônico: nenhum nativo que conheço na verdade se autodenomina xamã. Nem mesmo aqueles que poderiam encarnar perfeitamente aquela imagem icônica que você tem de um, e eu conheço muitos deles. Eles seriam chamados de curandeiros, por outros. Há duas afirmações aí dentro. Uma é sobre chamar-se qualquer coisa: a humildade é um valor tradicional entre muitos povos indígenas, e reivindicar uma identidade particular, especialmente um privilegiado “xamã”, substantivo – é visto como arrogante ou de mau gosto. Descrever o que você faz é uma coisa – “xamã”, adjetivo – mas reivindicar ser algo é como tirar crédito pessoal pelos dons do Espírito, ou como se você pudesse decidir por seu povo o que você é para ele (o que mostra uma orientação comunitária versus individual que muitos povos indígenas compartilham, o que é muito diferente da maneira como a maioria dos brancos pensa).
Para o xamã tradicional, esse papel era geralmente algo conferido por um ancião, por tradições bem compreendidas de como alguém era chamado pelo Espírito, e por consenso geral da tribo. Eles não o decidiam por si mesmos ou faziam cartões de visita com “xamã” gravado nele para espalhar a idéia. Isto porque, nas estruturas tribais tradicionais, você geralmente não precisava dizer o que você era, todos o conheciam e o que você tinha feito desde o dia em que nasceu, então sua reputação o precedeu (para o melhor ou para o pior). Seu cartão de visita era sua vida, e ainda é em muitas comunidades.
A outra coisa é que dentro das comunidades indígenas, geralmente o que você chamaria de “xamã”, nós chamaríamos de “curandeiro”. Isso porque, ao contrário da noção popular de que a(s) cultura(s) indígena(s) ou terminaram completamente no momento do contato com os europeus ou permanecem em algum estado místico, eles são, de fato, organismos vivos e mutáveis que se adaptaram para sobreviver a esse contato. “Cura” foi a palavra inglesa que melhor se correlacionou com a sensação de poder e reverência por algo que estava curando – o que em muitas culturas indígenas é basicamente qualquer coisa ligada ao Espírito – e assim o uso da palavra “Cura” nasceu e ainda está em uso por muitos povos indígenas modernos de hoje.
Portanto, estas são duas razões adicionais pelas quais a pessoa que você mais pensaria como xamã nunca usaria essa palavra, e porque quando uma pessoa branca o faz, é óbvio que ela não está realmente em autêntica relação com nenhum povo nativo vivo. Também é óbvio que eles não conhecem o suficiente sobre a(s) cultura(s) nativa(s) moderna(s) para entender valores comuns como humildade e antiguidade, o que torna o ato de reivindicar o papel de ‘xamã’ adicionalmente ofensivo e desrespeitoso. Portanto, acho que perguntar a alguém se ele é um xamã é uma maneira muito boa de descobrir que não é.
Esta é uma grande questão, mas os xamãs tradicionais, de qualquer cultura, viveram em constante relação com todas as forças e seres do mundo ao seu redor, esforçando-se para manter esse equilíbrio de uma maneira boa. Esse era o trabalho deles em nome de sua tribo: manter o que chamamos de “relação correta”, em grande parte porque a doença ocorre quando esse equilíbrio não está em harmonia.
Mas qual é exatamente a relação correta? Pensemos no relacionamento no nível humano. Podemos começar pela mãe: se você tem um bom relacionamento com ela, você provavelmente liga para ela regularmente, escuta seus conselhos, passa tempo com ela e troca presentes em ocasiões especiais. Mesmo que você não tenha um bom relacionamento, você provavelmente sente a obrigação de fazer essas coisas porque ela já cuidou de você. Agora, imagine que tudo no mundo ao seu redor é sua mãe, até mesmo as pedras debaixo dos seus pés. Se você está realmente em relação correta com todos os seres, então você tem a obrigação de cuidar de todos esses relacionamentos, e de consertá-los se eles saírem da linha em qualquer lugar do cosmos – quer alguém esteja olhando com admiração para você e seu tambor, e quer você seja pago por isso em uma sessão ou não. Isso é muito trabalho, e muito cuidado, e é algo que eu geralmente não vejo os brancos, os ocidentais pensando nisso, e muito menos fazendo.
Em parte, acho que é porque isto pode ser uma mudança radical na visão do mundo para muitas pessoas ocidentais, que são treinadas em modelos hierárquicos de poder baseados na coerção e no domínio, em vez de cooperação e relacionamento recíproco. Acho que muita gente imagina o xamã como uma figura todo-poderosa, capaz de comandar todos os mundos naturais e espirituais para fazer suas vontades, como um Harry Potter indígena. Na realidade, o xamã praticante é realmente mais como um diplomata que vive à mercê de muitas forças e seres, cuja maior habilidade é convencer esses seres – grandes e pequenos – a ter pena e o ajudar, reconhecendo que todos eles são mais poderosos do que o xamã. Assim, os xamãs tradicionais não são o agente todo-poderoso da cura; eles são, ao contrário, um humilde destinatário dos favores e remédios de muitos, o que os coloca em dívida com todo o mundo – daí a necessidade de humildade e honra dessas relações.
Portanto, se você não está constantemente implorando e negociando com os antepassados, os espíritos e várias forças em busca de ajuda, agradando-lhes, fazendo oferendas, ouvindo-os, cantando-lhes, sendo dirigido pelo que eles lhe dizem, e ajudando-os com o que eles querem – enfim, se você não está em relação com todos os seres, o tempo todo, com todas as obrigações e alegrias que implicam – então, acredite-me, você não é nada parecido com um xamã tradicional.
Também é bastante comum que os xamãs tradicionais estejam trabalhando diretamente com curas da terra, como plantas, pedras e animais, que, como mencionado, às vezes estão dispostos a emprestar seus poderes através de uma relação correta com eles. Você notará que eu, e outras pessoas nativas, muitas vezes nos referimos ao que os ocidentais pensam como objetos inanimados como “povos”. Isso muda a maneira como você pensa e interage com esses seres. Por exemplo, honrar uma pessoa de pedra em relação correta significa que você não pode simplesmente comprar um cristal em uma loja New Age, e ‘usá-lo’ para curar alguém. Em vez disso, você deve sentar-se com essa pessoa de pedra e humildemente perguntar se ela lhe concederá o favor de trabalhar com você, e você escuta o que ela tem a oferecer, então oferecer a seu espírito algo em troca de energias, ou substâncias sagradas, ou o que ele quiser.
Muitos praticantes xamânicos desenvolvem formas únicas de trabalhar com curas específicas porque foram diretamente presenteados por espíritos, digamos, de ursos ou de pata do diabo. Ou porque dedicaram tempo para observar e ouvir esses seres na natureza, e aprenderam seus caminhos, o que também é um dom. As curas particulares com que um praticante trabalha fazem parte do que os torna únicos, e também fazem parte do que distingue um praticante xamânico de algum outro tipo de trabalhador da energia, meio ou curandeiro no mundo moderno.
Os xamãs tradicionais também usavam uma variedade de outras habilidades, rituais e práticas que poderiam variar enormemente de tribo para tribo, mas freqüentemente em busca de alguns objetivos semelhantes, como a capacidade de falar com os espíritos. Eu gosto de dizer que se você pode falar com os espíritos, e aprender com eles, então você não precisa de professores humanos. Entretanto, se você não pode falar com os espíritos, então nenhuma quantia de dinheiro gasta na “escola xamã” pode fazer de você um xamã praticante. Portanto, se você não tem a capacidade de obter conhecimento diretamente dos espíritos, desculpe, você não é um xamã. Da mesma forma, por outro lado, só porque alguém é um médium ou um vidente, também não significa que deva usar esse termo, se não estiver se envolvendo com outras ferramentas e práticas do trabalho xamânico tradicional, como honrar os remédios da terra.
Os xamãs tradicionais eram freqüentemente chamados para este trabalho muito intenso através de uma doença que quase os matava, ou sonhos e atividades espirituais que os perseguiam incessantemente, ou visões de que estavam sendo despedaçados: a história clássica do desmembramento xamânico. Os verdadeiros praticantes xamânicos, mesmo nos dias de hoje, são chamados, e são chamados de uma forma que os despedaçará sempre de novo até chorarem de joelhos e pensarem que estão perdendo a cabeça. Nenhuma pessoa no seu perfeito juízo quer realmente isso, a menos que não haja outra escolha para eles.
Porque essa é a natureza de um chamado: ele escolhe você, e isso geralmente é porque quando chega, é tão grande, e tão feroz, qualquer pessoa sensata correria como o inferno dele. O trabalho xamânico é como a onça-pintada: se você pertence a ela, ela o pegará pelo pescoço, o reclamará como seu filhote, e você não terá muita escolha para onde ela decide arrastá-lo. Mas se você não pertence a ele, se você é um passarinho cintilante fingindo ser um jaguar, aqueles dentes ferozes podem decidir fazer de você um saboroso lanche.
O trabalho xamânico é intenso e é perigoso; os turistas que tentam assumir o nome de ‘xamã’ – sem a habilidade, o relacionamento correto, a dedicação e o sacrifício que o papel realmente exige – expõem-se potencialmente e as pessoas com quem trabalham a forças perigosas que podem não entender ou não ter a experiência para lidar. Ironicamente, eles também diminuem a própria profundidade e autenticidade que buscam nesse título. O poder real não vem sem sacrifício real (sua vida), e muito poucas pessoas em nosso mundo americano de soluções rápidas têm a resistência de entender o que isso realmente significa, ou a coragem de oferecer o que ele lhes pede.
Portanto, se você for realmente chamado para este trabalho, você definitivamente estará sentindo o que é estar nas mandíbulas da onça, e você não precisará pedir às pessoas que opinem sobre isso no Facebook para descobrir.
Portanto, tudo isto é para dizer que: se você não é indígena ou não está em relação autêntica com um ou mais povos indígenas agora, se você não cresceu vivendo em uma cultura tribal intacta, e não conhece o suficiente sobre os valores indígenas e a visão de mundo para respeitá-los verdadeiramente e encarná-los, se você não está à altura da responsabilidade de viver em uma teia de complicada relação correta com todos os seres, juntamente com a obrigação de cuidar de todo o mundo visto e invisível, se você não estiver usando técnicas xamânicas específicas e honrando as curas da Terra, e se não for chamado pelos espíritos para sacrificar sua vida e sanidade a serviço de causas superiores, (e seu ego, e seu senso de si mesmo), E se você não estiver disposto a dedicar o resto de sua vida ao trabalho duro de fazer isso, todos os dias, sem mais recompensa do que o trabalho em si – então você não é, definitivamente, um xamã. E mesmo que você seja todas essas coisas, ou se esforce para sê-lo, então você ainda não é um xamã. Você é um xamã dos tempos modernos, e eu o elogio. O caminho é difícil, mas vale a pena para aqueles que o percorrem de uma boa maneira.
E se você perceber que não é nenhuma dessas coisas, então pare de se chamar de xamã/nico qualquer coisa. Dê um passo atrás em seu trabalho, reavalie o que você faz e pense em como representar autenticamente seu trabalho e a si mesmo. Assuma a propriedade se você tem feito algo culturalmente apropriado, peça desculpas e descubra como fazer a restituição ao povo e à(s) cultura(s) da(s) qual(is) você pode estar se beneficiando sem beneficiá-los.
Se você é branco, aprenda mais sobre o trabalho anti-racista e o privilégio dos brancos e faça o melhor para ser um aliado dos povos marginalizados. Faça algumas pesquisas sobre o que são (ou foram) tribos indígenas em sua área, e descubra como se conectar com representantes vivos delas, e como honrar apropriadamente tanto as vidas quanto os espíritos dos mais velhos nativos em sua área. Faça algumas pesquisas sobre sua própria ancestralidade e descubra como começar a se conectar com essas tradições. Acima de tudo, escute mais do que você fala. Aos espíritos, bem como às pessoas vivas. Faça o trabalho para estabelecer um relacionamento correto, humildemente. Talvez, então, seu caminho começará verdadeiramente.
Advogado, tradutor, carioca, 48 anos e morador de São Paulo. Há quase vinte anos atrás, sacerdotes e sacerdotisas me levaram para um templo entre mundos e me trouxeram de volta à vida – desde então, entre o staccato dos trovões, o tilintar de taças e um coral de risos eu faço meu ofício e desempenho meu papel entre os filhos dos Deuses Antigos.
” Minha mãe bem que me disse que eu não quisesse aprender… Que os trabalhos da jurema só ficou pra se sofrer. Os Trabalhos da jurema todo mundo quer saber, é como segredo da abelha… Trabalha sem ninguém ver.”
Ótimo texto. É de vital importância lembrar a responsabilidade dos Sacrifícios Xamanicos, e que sim, isso não é pra quem quer colar os cacos da alma ou colorir seu universo sem vida. O Pajé sangra pra dar vida a sua Aldeia, e não é qualquer um que entende a literalidade disso.
Brendo, o texto é de uma autora que foi extremamente feliz na colocação dela e da leitura da importância da etnia nas questões xamânicas. Hoje, a Jurema foi polinizada pela riqueza das nações africanas e dificilmente guarda identidade com o culto original das nações nativas do Brasil – e é importante que se conceba e se entenda isso. Não há de se falar de xamanismo sem a presença dos povos originários; nós, filhos e netos dos conquistadores e colonizadores temos que acordar pra isso.
Exato, o texto que pus em parenteses É um trecho de um ponto de Jurema Sagrada, que me lembrou muito a sua colocação sobre a responsabilidade que um Xamã tem, espero não ter gerado uma impressão desconfortável, sou completamente de acordo com o texto do post.
Fico feliz pelas religiões brasileiras herdarem valores xamanicos em seu seio, principalmente a umbanda e a jurema, agregam em seu seio o cuidado, a assistência comunitária e etc… Me lembrou muito os Vanguardistas dessas religiões que “nasciam para a coisa” em situações semelhantes de missão. Lembrando isso não é uma comparação e sim pontos de intersecção.